Há cerca de um mês, rolou uma treta entre o Antony Curti, jovem comentarista da ESPN, e o André Rizek. Rizek fez um comentário aleatório sobre a NBA, e o Curti, que pelo que me parece conhece muito mais de basquete, respondeu de forma meio ríspida e irônica dando a entender que o Rizek não sabia nada do assunto e que, portanto, não devia comentar.
O Mário Marra respondeu o seguinte e foi ovacionado pela categoria:
Mário Marra @mariomarra Saber, conhecer, estudar e até mesmo ser especialista em algo é sempre bom. Mto bom. Ter humildade é melhor. Estou longe de ser especialista em qualquer coisa, mas procuro fazer as minhas obrigações com zelo e interesse. Engordar de conhecimento é vaidade e arrogância.
Como pano de fundo mais geral, há um sentimento sobre o que uma das respostas lá chamou de "tatiquês" dos "especialistas". Apesar de ter perdido a referência específica, acho que ela serve pra contextualizar uma tensão que há no jornalismo esportivo hoje:
resposta ao Lúcio de Castro e ao Mauro Cezar no podcast deles na Central 3. Ambos criticaram ontem, com veemência, aquilo a que eles chamaram de "tatiquês" dos "especialistas".
Não vou entrar no mérito se o Curti errou no tom ou não, o que é irrelevante. Ele pediu desculpas logo depois. O interessante foi a reação entre os jornalistas esportivos.
A resposta do Mário Marra me parece um negócio muito estranho. Apesar da platitude de que "estudar é bom", o papel de especialista aparece quase como um defeito. Isso não entra na minha cabeça.
Um jornalista esportivo, comentarista de futebol, não devia estudar futebol? Isso não deveria ser o mínimo que se cobra de um profissional da área? Não devia conhecer as regras? O básico da tática? Estar atualizado no estado da arte teórico sobre o jogo?
Mas o que parece prevalecer é a valorização da forma, do comentário de boteco, boêmio, da mesa redonda com opiniões diferentes, sem base ou justificativa, mas que vale pela poesia, pela resenha, por ser parte da narrativa, do conflito do futebol, por estar perto do sentimento e da prática do torcedor.
Claro que há espaço pra isso, mas só isso basta? Nós pagamos, caro, pelo Premiere, pela TV a cabo, e quando assistimos a um jogo ou a um programa especializado, é comum ver profissionais que não sabem o básico da regra, não conhecem o protocolo do VAR, não sabem mais do que quem está assistindo. Mesmo a ESPN, que é a que costuma valorizar os "especialistas"... Há algumas semanas eles estavam falando sobre o Campeonato Brasileiro e não sabiam o critério de desempate (!!!!).
Não sou jornalista. Também não acompanho muito o jornalismo esportivo de outros países pra ter como comparar. Então posso estar completamente errado. Vou levantar algumas hipóteses pra ver se alguém se dispõe a discutir.
1) Péssimas condições de trabalho
Jornalistas são obrigados a comentar jogos que não viram, e a ver vários jogos por semana, além de cobrir várias outras coisas. Vai ver não dá tempo de conhecer tudo mesmo. Também não há assessoria técnica de qualidade... Como torcedor do Galo, a coisa mais comum do mundo é jornalista que não faz a menor ideia do que está acontecendo e mesmo assim analisa o time como se fosse uma voz da autoridade. Diz que o perna de pau em péssima fase, além de suspenso, é o craque do time e grande esperança no jogo.
2) Cultura do cronismo
Nesse mercado disputadíssimo, o jornalista começa lá na linha de frente, cobrindo jogo no campo. Se der sorte, chega aos comentários de 30s na cabine ao lado de ex- jogadores. O auge é conseguir uma coluninha pra escrever crônica e chegar a participar das mesas redondas, podendo dar palpites longos e mais gerais. Pra isso, conhecimento técnico pode ser chato ou inconveniente. O que vale é a poesia, a arte da dialética, da resenha, do discurso.
3) Acomodação da velha guarda
Quem manda foi criado nessa cultura. O jovem que chega falando de tática é naturalmente visto como arrogante, como almofadinha, metido a intelectual, um cara chato. Especialista é só o PVC, esse sim, que prova de fato que sabe tudo, pq é uma enciclopédia ambulante e lembra o resultado de jogo de 1992. Análise tática é opinião. E opinião todo mundo tem, todas são válidas. Não importa quem é que sabe o "tatiquês".
Então o "especialista" tem é que ir pra outro lado, como o Rodrigo Capelo, da SPORTV. Quer estudar? Estuda balanço financeiro. Isso sim é assunto técnico, futebol é poesia.
4) Anti-intelectualismo das massas
Também formado nessa cultura, o torcedor é outro que não quer saber de tatiquês. Ele quer xingar o Patric, o treinador e o juiz. Tá bêbado demais pra saber de tática. A culpa é da má vontade, da preguiça do time. O Léo Gomide, que era setorista do Galo, começou a estudar, trazer estatísticas, desenha umas linhas em fotos do jogo, usa mapa de calor... É ridicularizado diariamente no twitter quando traz esse tipo de informação. Ele não é lá grande coisa nisso ainda, às vezes comente uns erros. Mas o problema não é esse. É que as pessoas preferem falar de mística... Uma análise técnica é muito mais sem graça do que uma crônica de estilo impecável dizendo que o "Galo Doido" precisa voltar a ter raça. O tatiquês é antítese da experiência que acostumamos a ter o futebol, e pode até desmistificar a mística...
Submitted July 25, 2019 at 09:59AM by LiarsEverywhere https://www.reddit.com/r/futebol/comments/chotae/o_que_explica_a_mediocridade_do_comentarismo/?utm_source=ifttt
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