Em uma thread clássica de pré-temporada, postaram uma citação de um jogador do BragaBull aparentemente desrespeitando o Santos, o que acabou gerando uma discussão sobre o quão impressionante é o clube por ter se tornado tão relevante vindo de uma cidade tão pequena. Discussão vai e discussão vem, resolvi realmente olhar as origens do futebol Paulista para além da Capital.
Seguem, ano a ano, as adições e retiradas de clubes não-paulistanos do(s) campeonato(s) paulista(s):
1904
Já no terceiro ano do Campeonato Paulista, organizado pela LPF, a primeira expansão do torneio aconteceu.
A paulistana AA das Palmeiras (antecessora do São Paulo e origem do nome atual do Palmeiras), teve de jogar uma eliminatória com o Internacional de Santos para determinar o clube a ingressar no torneio e acabou levando a melhor. O clube terminaria na lanterna nas suas duas primeiras aparições, sendo portanto forçado a repetir a eliminatória (sempre conta o Internacional, eterno campeão regional de Santos).
1907
Nesta, começamos a contar a história em 1906. Após duas lanternas e quase-rebaixamentos, a AA das Palmeiras foi finalmente campeã paulista... até quando uma denuncia do Inter (da capital) foi aceita legalmente e o clube perdeu todos os pontos, terminando atrás até mesmo de Mackenzie e São Paulo Athletic, que haviam desistido do torneio antes de sua completude. Em 1907, Mackenzie e AA das Palmeiras não participariam do torneio. A primeira, extinta, a segunda desfiliada pelo escândalo do ano anterior. Isto abriu vaga para dois novos clubes: o Internacional e o Americano, ambos de Santos.
1909
O retorno da AA das Palmeiras finalmente veio em 1909. Convidado a participar sem necessidade de seletiva, os dois últimos colocados do ano anterior, São Paulo Athletic e Inter de Santos (que fez uma incrível campanha de 10 derrotas em 10 jogos), foram obrigados a disputar por uma vaga, marcando o fim da curta história do Inter de Santos no campeonato paulista.
1911
Em um baque para o futebol externo à capital paulista no estado, o mais relevante clube de Santos decide mudar sua sede para a capital, tornando o estadual mais uma vez exclusivamente paulistano.
1912
Descontentes com a falta de representatividade da cidade no campeonato paulista, três esportivas decidiram por liderar a criação de um novo clube, o Santos Foot-Ball Club. No mesmo ano, o Americano, agora paulistano, ganha seu primeiro título paulista.
1913
A LPF sofre uma cisão. Maior clube do estado, o Paulistano, criou uma liga paralela, chamada de APEA, junto à Mackenzie (recriada no ano anterior) e AA das Palmeiras, reclamando de práticas anti-amadoras dos demais clubes. A LPF, por sua vez, promoveu duas equipes novas para seu campeonato: Corinthians e o recém-fundado Santos.
Infelizmente, após um 6x1 para o arquirrival Americano, o Santos abandonou o torneio (no qual havia vencido um único jogo, 6x3 contra o Corinthians) e não retornou à LPF.
1914
A APEA expandiu para 6 times, porém manteve-se inteiramente paulistana. Já a LPF viu uma grande evasão de clubes, alguns indo à APEA e outros desistindo do futebol como um todo. Apenas Corinthians, Germânia (atual Pinheiros) e Internacional se mantiveram da edição anterior. Entre os quatro novos participantes esteve o primeiro clube não-paulistano e não-santista: Hydencroft de Jundiaí. Infelizmente, seguindo a sina do Santos, o Hydencroft desistiu do torneio e não retornou à LPF.
1916
Estabelecido nos dois anos anteriores como o campeonato de primeira divisão de facto, a APEA finalmente expandiu mais uma vez, junto a uma expulsão do Scottish Wanderers, pego pagando seus jogadores. Os novos clubes seriam o Palestra Italia e o retorno triunfante do Santos. A LPF, buscando manter relevância, ampliou seu quadro para 14 clubes, com todos continuando paulistanos.
1917
Com o falimento da LPF, Corinthians e Internacional (campeão e vice do torneio de 1916) foram incorporados à APEA, e os demais 15 clubes formaram a segunda divisão. Isto deu fim à primeira época de torneios paralelos do futebol paulista.
1920
Único não-paulista do campeonato, o Santos desiste do torneio na 9a rodada, tendo todos os seus jogos anulados. O clube, porém, foi permitido retorno em 1921.
1926
Mais uma vez inconformado com anti-amadorismo, o Paulistano, maior campeão paulista, fundou a LAF, levando consigo Germânia e AA das Palmeiras, antigos membros da APEA, e convidando mais 5 clubes, entre os quais estão dois não-paulistanos: Atlético de Santos e Paulista de Jundiaí. Já na APEA, o Santos segue sendo o único não-paulistano, mesmo após a adição de 3 novos clubes.
1927
Após uma tentativa frustrada de incluir os membros da APEA Corinthians e Sílex (posteriormente América) em seu torneio paralelo e a desistência de Taubaté e Independência, da capital, a LAF convidou dois novos clubes: o Hespanha (hoje Jabaquara) de Santos e o São Bento, da capital. A APEA também expandiu, adicionando 4 novos clubes não-paulistanos: Guarani de Campinas, Comercial de Ribeirão Preto e Primeiro de Maio e Corinthians de São Bernardo.
1928
A LAF chega a 4 não-paulistanos com a adição da Ponte Preta de Campinas, enquanto a APEA corta os clubes de São Bernardo, e o Comercial de Ribeirão Preto desiste, caindo para 2 clubes não-paulistanos.
1929
A Portuguesa de Santos substitui o paulistano União Lapa na LAF, sendo o 5º clube de fora da capital no torneio. A LAF, porém estava sendo preterida pela mais tradicional APEA, e esta foi sua última edição;
1930
Com a vitória da APEA, o Paulistano desistiu formalmente do seu departamento de futebol, que se fundiu à AA das Palmeiras, dando vida ao atual São Paulo, que foi incorporado à APEA, junto com o Atlético Santista, São Bento da capital e Germânia, outros remanescentes da LAF. Ponte Preta, Hespanha, Paulista e Portuguesa Santista ficaram de fora.
1932
O campeonato se enxuta, com o Guarani sendo mais um clube a não mais participar do campeonato. Apenas Santos e Atlético Santista restam como clubes não-paulistanos.
1933
Liderados por Corinthians e Palestra Italia, a APEA se torna oficialmente uma liga de futebol profissional, organizando os primeiros torneios profissionais do Brasil, incluindo o primeiro Rio-São Paulo, em conjunto à Liga Carioca, liderada pelo Vasco. Inconformados com a mudança, alguns clubes criam a FPF, com aval da CBD, que também se opunha ao profissionalismo. Poucas informações, além do título do Albion, recém reconhecido, existem sobre o torneio. Porém, a APEA perdeu mais 4 clubes, e o Santos passou a ser o único representante do estado extra-capital. A federação, junto à Liga Carioca, fundou a Federação Brasileira de Football, para disputar hegemonia com a CBD.
1934
Novamente, há poucas informações quanto ao torneio da FPF, porém o Hespanha de Santos retorna como vice-campeão do recém-reconhecido Juventus (sob o nome de Fiorentino). Mantendo o formato de 8 clubes, com apenas o Santos de não-paulistanos, a APEA mantinha a hegemonia do futebol paulista e a FBF se mostrava como uma verdadeira ameaça à CBD, principalmente sob as lideranças dos "clubes de massa" Palestra e Corinthians.
1935
Talvez a reviravolta mais importante da história do futebol brasileiro, a CBD cede à pressão e aprova o profissionalismo, levando a FPF a também se profissionalizar. Corinthians e Palestra Italia aceitam o convite e se transferem à federação, junto com Juventus e Paulista, ambos da capital e o Santos, que se torna o primeiro campeão não-paulistano. Também fizeram parte desta edição o Hespanha e a Portuguesa Santista, ambos de Santos. A APEA, tendo perdido grande parte de sua influência com a saída dos clubes de torcida, retendo apenas a Portuguesa, teve apenas um não-paulistano: São Caetano EC (não o azulão), de São Caetano do Sul.
1936
APEA adiciona mais um clube da região metropolitana, com o retorno do Primeiro de Maio, de São Bernardo (em dois anos, passaria a fazer parte de Santo André, com a criação do município). A LPF expande, mas apenas adiciona clubes paulistanos, atingindo 12 clubes. A força da LPF estava clara, e este foi o último ano de atividade da APEA.
Curiosidade: a Federação Brasileira de Football, criada pela agora inexistente APEA, seguiu suas atividades por mais alguns anos, organizado em 1937 a Copa dos Campeões, reivindicada recentemente pelo Galo como precursor do Campeonato Brasileiro. Participaram do torneio os últimos campeões estaduais das organizações fundadoras APEA (Portuguesa) e da Liga Carioca (Fluminense), mesmo com ambos já tendo sido desbandadas em prol da FPF e da FMD, respectivamente.
1937
Com o fim da APEA, a FPF manteve como únicos clubes não-paulistanos o trio santista. até sua última edição em 1940.
1941
A FPF, organização fantasma da APEA e Liga Carioca, foi oficialmente desbandada em 1940 estabelecendo a hegemonia completa da CBD. A fim de manter esta hegemonia, foi feita uma padronização nas organizações estaduais de todo o país, incluindo São Paulo, epicentro de muitas brigas. A Federação Paulista de Football deu lugar à quase-homônima Federação Paulista de Futebol. No primeiro torneio da nova entidade, o trio santista que havia sido hegemônico nos últimos anos se manteve como os únicos a representarem o estado além da capital.
Conclusão
Ao contrário do que se pensa (inclusive eu, antes de realizar a pesquisa), a cidade de Santos se estabeleceu como a segunda mais importante do estado bastante cedo, e se manteve assim por anos, tendo diversos clubes incluídos em torneios ao longo de sua história antes e mais consistentemente do que muitas outras cidades consideradas tradicionais como Ribeirão, Campinas ou o ABC paulista.
Os 11 fundadores da FPF seguiram como únicos participantes do campeonato paulista até o fim da década, com a entrada do XV de Piracicaba em 1949, campeão da segunda divisão do ano anterior e do Guarani, também campeão da segunda divisão e substituindo o rebaixado Comercial. Foi partir da década de 50 que a expansão do campeonato paulista por meio das divisões de acesso permitiu a entrada das cidades e dos clubes que hoje consideramos tradicionais. A cidade de Santos esteve presente por todo o tempo antes disso.
Como uma das cidades portuárias mais importantes do mundo no começo do século XX, a interação entre São Paulo e Santos se assemelha ao que ocorreu na Inglaterra entre Liverpool e Manchester. Um clube do tamanho e com o sucesso do Santos FC sair da cidade do Santos não é, em verdade, nem um pouco surpreendente. Embora hoje a cidade pareça aleatória, estando abaixo de diversas outras cidades do interior paulista em rankings populacionais e de PIB, a realidade no início do futebol paulista era outra.
Submitted January 29, 2022 at 06:32AM by Sunny_Ember https://www.reddit.com/r/futebol/comments/sfh7zg/as_origens_do_futebol_paulista_al%C3%A9m_da_capital_o/?utm_source=ifttt
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