Thursday, July 1, 2021

Futebol!:Beane, Barnsley e Bragantino - Dá pra brincar de moneyball sendo time pequeno no Brasil?

Caso I - Beane's big data

Abro meu argumento com uma cena maravilhosa de Moneyball. Pra quem não viu, é um filme sobre Billy Beane, um dirigente de beisebol que fez história em meados dos anos 2000, ao levar o Oakland A's, um time de mercado pequeno e uma das menores folhas da liga, às finais (quebrando o recorde de vitórias consecutivas durante a temporada regular no processo).

O curioso nessa cena de Moneyball é ver o embate entre dois entendimentos antitéticos do esporte. De um lado, Beane (Brad Pitt, de longe o galã mais simpático de roliúde) e o jovem Peter Brand (Jonah Hill, em atuação fantástica), o estatístico-analista recém-saído da universidade que vira seu assistente e escudeiro na sua pequena revolução. Do outro, uma sala cheia de scouts sêniores, faces enrugadas, marcadas pelo tempo, com aquele jeitão de quem já viu tudo. É uma reunião de pré-temporada, e eles estão debatendo opções pra suprir a saída do melhor jogador do time, Jason Giambi, para o poderoso NY Yankees. Enquanto os scouts se debruçam sobre subjetividades alheias ao próprio jogo (esse fulano gosta de festa e maconha, aquele lá tá velho e gordo, um outro tem uma namorada feia, que é um sinal de que ele não tem confiança...), Beane e Brand estão preocupados com uma única coisa: se o jogador chega na base ou não. Chegar na base é fazer o mínimo avanço possível no jogo. É o feijão-com-arroz. Enquanto os scouts procuram um grande nome pra substituir o ídolo que se foi, um Beane desapaixonado e matemático explica numa conta rápida que eles não vão conseguir substituir um cara genial por outro. Que eles devem buscar três jogadores que, somados, tenham a mesma produção ofensiva de Giambi.

Foi tipo o título do Leicester, só que muito mais foda. E só que vice, também.

O ingrediente secreto e inovador de Billy Beane e seu Oakland A's foi a utilização da sabermetric, que é "a análise empírica-estatística de eventos que acontecem em um jogo de beisebol" (Pedia, WIKI. Tradução do autor). Ao aplicar algorítimos na sua busca por jogadores, Beane conseguiu montar um time sem estrelas, de jogadores eficientes, dentro do mirrado orçamento disponível para Oakland. Ele viu o mercado de um jeito único, e lançou as bases do que seria o futuro, pois pouco tempo depois de seu experimento, a utilização de sabermetric por dirigentes no beisebol virou o padrão do esporte.

Se você leu até aqui, é provável que esteja pensando "Ah, mas beisebol é um esporte diametralmente oposto ao futebol. Há muito mais previsibilidade, menos eventos caóticos, é mais repetitivo e, por isso, mais linear em todos os sentidos. Esse tipo de abordagem puramente estatística pode funcionar com um esporte, mas não com outro." É aqui que eu te digo que Billy Beane, é um dos sócios agindo silenciosamente no Barnsley F.C., da Inglaterra. Ele tem 10% das ações do clube.

Caso II - Barnsley

Pense o Náutico. Piore um pouquinho. Pensou? É o Barnsley. Ao longo dos últimos 120 anos, o Barnsley oscila entre terceirona e segundona, às vezes até caindo pra quarta. Mas desde que um investidor sino-americano adquiriu o clube (junto com Billy Beane) em 2017, parece ter havido uma mudança de paradigma ali, uma mudança que levou o clube à sua melhor colocação na Championship (segundona do inglesão) na história na temporada 2020/21. Terminaram em quinto lugar, com a segunda menor folha salarial da competição. Não obtiveram a histórica promoção nos playoffs, mas há otimismo pra próxima temporada.

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O Barnsley tinha a menor média de idade da Championship (pouco mais de 22 anos!), um técnico austríaco desconhecido que tinha passado pelas categorias de base do RB Salzburg (Gehrard Struber), que depois foi treinar o New York Red Bulls e foi substituído por outro técnico ligado ao futebol austríaco (o francês Valerién Ismael). Antes de ontem, com a confirmação da saída de Ismael para o muito mais rico West Bromwich Albion, um dos favoritos à promoção, o Barnsley anunciou outro técnico austríaco com passagens pelo RB Salzburg, Markus Schopp. Todos eles têm menos de 45 anos. Percebe-se um padrão aí, né? Voltaremos ao Red Bull logo logo.

Segundo essa matéria do Wall Street Journal, as investidas do Barnsley no mercado de transferências são informadas por dois algorítimos que são guardados a sete chaves pelo clube. E aparentemente vem dando certo, com o clube sendo um dos únicos na liga a apresentarem um balanço de transferências verde e não vermelho. Exemplos trágicos da mentallidade gastadeira que é comum entre os clubes desse escalão na Inglaterra, desesperados pelos milhões da Premier League, são o Bury e o Bolton. Ambos decretaram falência no ano passado.

Uma breve busca mostra que nos últimos anos o Barnsley:

- Comprou Conor Hourihane por €200,000 e vendeu por €3mi;

- Contratou Alfie Mawson (sem clube) e o vendeu um ano depois por €5mi;

- Comprou Ethan Pinnock por €500,000 e vendeu dois anos depois por €3mi.

Stonks.

Resumo da ópera: o Barnsley aplicou os conceitos de Moneyball (análise de dados informam decisões executivas, preferência por jogadores jovens que possam gerar lucro aos cofres do clube em vendas futuras) e funcionou. Isso não significa que existe uma receita simples pro sucesso. A matéria do WSJ que eu citei ali em cima comenta como os donos do Liverpool tentaram aplicar os mesmos conceitos assim que assumiram o clube em 2010 e falharam miseravelmente, "entendendo que o sucesso mais alto calha de também precisar de toneladas de dinheiro". (Lembrando que o grupo que comprou o Liverpool é chefiado por John W. Henry, que curiosamente é o dono do Boston Red Sox, o time que ofereceu vários milhões para ser treinado por... Billy Beane em 2003, depois da temporada lendária com o Oakland A's). Outros clubes que notoriamente tentaram, com variados níveis de sucesso, adotar o moneyball são Leicester, Brentford, Southampton e Brighton. Mas na Europa, talvez o melhor exemplo dessa abordagem guiada por dados sejam os Red Bulls, Salzburg e Leipzig.

Caso II - Bragantino

Quando a Red Bull comprou o Braga em 2019, ela adicionou um estágio a mais na sua esteira de produção e valorização de talento. É quase como se eles tivessem fechado um ciclo totalmente integrado. É como diz esse vídeo do The Athletic: imagine um jogador de 20 anos que estoura na Série A daqui. Ele é "vendido" para o RB Salzburg e ganha corpo nos peladões do Austríacozão. Quando estiver pronto pra disputar um campeonato de verdade, é passado à filial alemã em Leipzig, onde passa seu auge. Ainda pode ganhar uns trocados no New York Red Bulls quando se aproximar do fim da carreira.

Não sei se o Bragantino se manterá líder até o fim do campeonato, dificilmente acontecerá, mas esse começo de campeonato dá certo otimismo pra qualquer torcedor de time de médio e pequeno porte. Óbvio que as circunstâncias que criaram o projeto da RB por lá são muito particulares: cidade pequena, pouca pressão por resultados da torcida, clube inserido na microrregião "com melhor IDH futebolístico" do país, estabilidade política, enfim... A Red Bull não é besta, não tentaria implementar esse projeto a longo prazo num Santa Cruz e seus milhões de torcedores e falta de infraestrutura, ou até numa Ponte ou Guarani, onde perder um dérbi pode balançar o técnico. Eles queriam paz pra trabalhar, e o Bragantino é como uma tela em branco onde eles podem jogar todo o dinheiro e ver o que sai. E ô se tem dinheiro sendo jogado: o Bragantino é nono da Série A em valor de mercado (€59mi), ficando à frente de CAP e Corinthians, por exemplo.

Apesar desse delírio capitalista do futebol moderno, há aspectos na gestão do Bragantino (e do Burnley) que são aplicáveis em times menores e que eu gostaria de ver no meu próprio clube.

Considerações finais - Eu quero brincar de moneyball

A utilização de sistemas inteligentes e objetivos pra informar decisões como contratações é o principal desses aspectos.

O Claudinho foi comprado a 300 mil euros em 2019, e hoje vale 11 milhões. Léo Ortiz veio de graça e já vale 3mi. Fabrício Bruno foi comprado a 620 mil e vale o triplo hoje. E esses são os "anciões" do time, com 23, 25 e 25 anos respectivamente. No último jogo, contra o Atlético-GO, dos 12 suplentes no banco do Braga, nove tinham 20 anos ou menos.

O Bragantino contrata tão bem ou melhor que qualquer outro time da Série A, e não duvido que isso se dê pois o time tem à sua disposição todo o know how construído com as outras filiais. O que fazer, se não tem a estrutura de um Red Bull por trás?

Vai parecer brincadeira, mas na falta de um sistema de scout profundo e abrangente, clubes menores da Europa como o Tolouse e Lorient já admitiram usar até o Football Manager como ferramenta de cobertura do mercado. À medida que os scouts nas divisões mais baixas do Brasil forem ficando mais apurados e completos, imagino que os times que comprarem esses pacotes de informação e souberem utilizá-los inteligentemente, vão sair na frente. Não é muito bonito nem romântico, mas é uma saída inteligente pra times sem caixa. Imagino que com o tempo, vá rarear a quantidade de time intermediário que ainda não tem uma divisão de análise de dados e recrutamento montada, que vive de peneirão, indicação de técnico e dicas obscuras de scouts por aí.

Eu quero ESTE homem decidindo quem meu time contrata, porra.

Outra coisa: como mencionei, o Bragantino tem uma média de idade de 24 anos, 2 a menos do que o resto da Série A e a menor do certame, de longe. Os jogadores se profissionalizam cada vez mais cedo. O difícil é conseguir criar um ciclo lucrativo de formação e venda de jogadores como o Burnley, enquanto mantém bons resultados em campo. Mas não custa sonhar que meu time, um dia, vai fazer que nem o Brad Pitt diz em Moneyball: turn the odds on the casino.

Chego ao fim desse texto sem muitas conclusões, na real. Penso que alguns exemplos de boa gestão e de lucros com boa rotatividade de jogadores existem, como CAP e Santos. Vejo times de menor mercado, talvez análogos ao Burnley, como Bahia, Ceará e Fortaleza, fazendo boas campanhas, mas não sei até que ponto esses projetos se seguram. Queria ouvir aí dos torcedores desses clubes do médio pelotão. Desculpa o falatório!

Epílogo

Eu juro que eu comecei esse post só querendo tirar uma onda sobre como eu queria que o Náutico usasse FM pra encontrar jogadores, pois eu contratei esse nigeriano pro Timba no FM e ele tá destruindo na Série A. O cara é um monstro no jogo e parece bom na vida real também. Ele joga na ÍNDIA depois de passar por uns times menores da Inglaterra, e ganha tipo 100 mil por mês, o que é menos do que o puto do Kieza, que só faz perder gol e me fazer raiva. Aposto que ele aceitaria na hora pegar uma prainha em Recife.

Aí acabei escrevendo uma tese. Falei muita merda? Vocês acham que os exemplos que dei aqui se aplicam ao futebas brasilis, ou é muito distante? O assunto é complexo. Parabéns quem leu até o fim, aliás. Merecem esse joia duplo do Timbu de Chernobyl.

Pronto, cabou.



Submitted July 01, 2021 at 02:30AM by thebigleobowski https://www.reddit.com/r/futebol/comments/obgn26/beane_barnsley_e_bragantino_d%C3%A1_pra_brincar_de/?utm_source=ifttt

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